sábado, 28 de julho de 2012

O tenente, o rábula e o juiz

No sertão de Pernambuco, décadas passadas, os delegados eram escolhidos dentre os tenentes da polícia pernambucana. Invariavelmente, o critério da escolha era, além da divisa de oficial, a valentia. Quanto maior a bravura, melhor. Era designado prioritariamente. Se tivesse então trocado fogo com Lampião, ou com o bando dele, maior a cotação e o cartaz. Se a valentia era grande, a cultura era nenhuma. Os delegados do sertão pernambucano, na sua totalidade, eram analfabetos e dos bons.
Feito este intróito, indispensável à clareza do que vai avante, segue-se o relato ocorrido na cidadezinha dos Malta.
Foi para lá nomeado delegado um desabrido tenente, da Força Pública local. Homem macho, que não rejeitava parada, por mais indigesta que fosse. Assim que foi nomeado, por portaria, delegado da localidade, quis logo testar seu poder. Bastava que alguém olhasse para ele um pouco mais demorado, para ouvir logo o berro:
- Teje preso, seo bandido! Nunca viu delegado em sua vida? Pois tá preso, até segunda ordem.
Para encerrar a advertência, saltava correndo o latinório dura lex, sed lex, que, para sua santa ignorância, era dito assim:
- Comigo é no duro: séde léque, séde, léque!
E acrescentava:
- É pra prová a minha portaria de nomeação.
Sucedeu então que um rábula, um tanto apressado, requereu um hebeas corpus. Concedida a ordem pelo juiz da comarca, apresentou-se à polícia, com a ordem de soltura imediata.
- É para soltar o homem, seu tenente.
- Soltar quem?... O preso tá preso e bem preso.
- É uma ordem de habeas corpus, tenente - redarguiu o rábula.
-Bescorpo não manda aqui, não.
Quem manda aqui é o doutor juiz... Ninguém mais. Séde léque, séde léque.
E quase, quase o delegado não dava cumprimento à ordem judicial.




Texto escrito pelo advogado Paulo José da Costa JR., no jornal TRIBUNA DO DIREITO, que foi estraído do livro Crônicas de um Criminalista, Editora Saraiva.

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