Ser jovem e não poder usar as roupas que queria, por falta de condições para comprar, no meu tempo de criança era um pouco angustiante, mas até normal, porque todos, na escola, no convívio do dia a dia... se vestiam com muita simplicidade, roupa nova mesmo só em alguma ocasião especial, ou no final de ano, quando alguns pais que trabalhavam recebiam o decimo terceiro salário, e compravam roupas novas para toda a família para se usar o ano todo. E lá em casa, a tropa era grande, imagina então a dificuldade para vestir toda aquela criançada ( eram dez crianças, seis meninos e quatro meninas). No nosso caso era um pouco mais difícil, pois desde que me conheço por gente, meu pai já estava aposentado, e vida de aposentado no brasil já sabemos a miséria que é. E como eu sou o mais velho dos irmãos da família, e desde muito pequeno, já passava por dificuldade. Pode- se imaginar que ninguém nesta família teve vida fácil.
Ter um pai que sofreu a vida inteira para sustentar sua família, e saber que mesmo passando por dificuldades, ele sempre correu atras para dar o sustento aos seus filhos, e nunca abandonou o barco. Me faz admirá-lo ainda mais, porque hoje sendo eu um pai de família, sei a dificuldade que é, manter uma casa, sustentar os filhos, dar-lhes roupas, material escolar, comida, brinquedos... Claro que ele não conseguia dar sempre o melhor para nós, mas o que ele podia fazer por nós, ele fazia. Lembro- me de quando eu e meu irmão Claudinei, já estávamos um pouco crescidos demais para usar roupas muito velhas ou muito ultrapassadas para nossa idade, meu pai fez um financiamento em uma loja e nos comprou dois agasalhos da topper idênticos em formato e cor, e também comprou uma chuteira da mesma marca para mim, porque sabia que eu adorava jogar futebol, e achava que estava na hora de eu jogar com chuteira e não mais com o meu kichute velho, furado bem perto do bico, um pouco antes da borracha que protegia este.
Fiquei feliz da vida com os presentes, e não via a hora de chegar a segunda feira para mostrar para meus amigos o presente que meu pai havia me dado. A noite de domingo para segunda, perecia que não chegava nunca, quase não dormi direito. Então quando emfim chegou o grande dia, minha mãe não precisou nem me chamar como fazia todos os dias, e nem precisou insistir para eu sair logo da cama, pois estudar era preciso para eu ser alguém na vida, naquela segunda feira, o discurso todo foi desnecessário. Pulei rápido da cama e me vesti com tanta vontade que bati o recorde de tempo. Coloquei meu agasalho marrom, calça e blusa, meião e também a chuteira (coitado de mim, nem imaginei que iria ser o dia mais longo de aula da minha vida) e parti.
Chegando na escola com aquele agasalho bonito, listrado com duas listras brancas nas laterais, e todo marrom, logo meus amigos notaram que era novo, também não era pra menos, como não notar, eu só faltava esfregar na cara deles... O duro foi eu ter tido a infeliz ideia de ter colocado a chuteira nos pés para ir à escola, os moleques quando perceberam que eu estava de chuteiras na escola, e não de tênis, como era o natural, começaram a rir, e a rir tanto,que eu não sabia onde enfiar a cara de tanta vergonha. O potóque, potóque que fazia a cada passo que eu dava na escola, (parecendo um barulho do salto alto, que as mulheres usavam, ou o cavalgar de um cavalo no asfalto), chamavam ainda mais a atenção da molecada, e de longe já gritavam, lá vem o jogador de futebol, onde vai ser o jogo hoje?, na quadra da escola?, mas dá para jogar de chuteiras?, e davam muitas risadas.
Quando deu o horário da merenda (intervalo), eu não coloquei minha cara para fora da sala. Pensa que eu fiquei livre da zoeira? Que nada, eles fizeram questão de terminar logo,suas refeições e voltar para sala, e mais risadas. Quem não era da classe, como o Tião, (que também tinha me visto na entrada) e não podia entrar na sala, para não ser surpreendido pela minha professora, vinha por traz da classe, e pela janela, me olhava, e perguntava, onde vai ser o jogo? E faltava rolar no chão de tanto rir.
O dia demorou a passar, mas passou, o sarro não parou, e por muitos dias se lembraram da gafe que eu tinha dado. Mas nem o sarro, nem a vergonha que passei, conseguiram tirar a felicidade, que senti por ter recebido um presente tão importante para mim. E o orgulho que senti do meu pai, por ter feito um esforço tão grande para fazer seu filho feliz.
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